Para Nani, pela sua simpatia e amabilidade.
CONTOS DE MEIA-TIGELA,
PARA CRIANÇAS: “OS TRÊS IRMÃOS”.
Era
uma vez, há bué de tempo, numa cidade qualquer que ficava no cu de Judas, três
irmãos: o João, o André e o Rui, que andavam sempre a fazer o diabo a quatro.
Era por isso que os cidadãos de bem os apelidaram de “os três da vida airada:
Cocó, Ranheta e Facada”.
Moravam
numa casa sem varanda, que só tinha uma assoalhada, situada numa viela perto da
ponte da “Galinha Depenada”.
O aprendiz
de feiticeiro que era o pai, que tinha dado às de vila-diogo por causa, segundo
diziam as más-línguas, de uma camponesa da vila mais próxima, um dia regressou à
sua casa. E, consequentemente, a sua parceira, a Rita, que era uma mulher de
faca na liga, proferiu-lhe: “a Cascais uma vez e nunca mais”. Então, ele deu de
frosques e, pouco tempo depois, esticou o pernil.
A mãe
Rita dos três espirra-canivetes, que além do su feitio tinha um coração honesto,
juntou os trapinhos, desta vez, com um homem bom e laborioso, o Iago, que trabalhava
como um galego.
A
família não só partilhava a casa com o avós e a tia-avó, que pertenciam à brigada do reumático, mas também com os
tios e as primas. Sempre que o seu tio tinha uma nova ideia para arranjar emprego
dava com os burros na água, e a sua tia andava o dia todo com o rei na barriga.
Ainda por cima, as suas primas também não eram flores que se cheirassem.
Por
outras palabras, era, verdade seja dita, como meter o Rossio na rua de Betesga.
Apesar
de alguns ladrilhos incrustados no exterior da casa, mesmo ao lado da porta,
exprimirem a frase: “É amigo? Entre amigo; o pão que temos aqui, neste
pequenino abrigo, também chega para ti”, era evidente que, contudo, só tinham dinheiro
para os alfinetes. Ainda bem que estava o Iago para o obter, e a Rita, que
ganhava uns cascalhinhos a tratar idosos e governava a casa à cabralina. Se bem
que não passassem necessidades, mais coisa, menos coisa que tomavam couves para
o pequeno-almoço, almoçavam couves e couves jantavam.
Um
dia, de manhã, o João, o André e o Rui, com o intuito de usufruir de uma
andança, tinham pedido autorização à mãe para ir brincar no bosque que ficava perto
da cidade. E, tendo visto que eles asseveraram que não se perderiam, ela assentiu:
por volta da meio dia e meia retornem para casa, decretou.
O
Iago tinha-lhes segredado que nesse bosque morava uma bruxa do piorio, má como
as cobras, com o seu gato que fumava charutos e fazia arranhões nas bochechas,
e que tinham uma gaiola para miúdos onde estava a ferros o filho do rei
Umerodom. Significava isto que o Iago sempre lhes relatava histórias do arco da
velha, enquanto eles ficavam de olhos arregalados e de boca escancarada. Adoravam-no
porquanto era um bom pai.
Assim
que nos embrenharmos no bosque, procuramos a casa da bruxa, esteja onde
estiver, e ficamos à espreita, concordaram os três da vida airada. Com isto não
pretendiam ser heróis, mas, com toda a certeza, o seu padrasto tinha-lhes
incentivado a curiosidade. Oxalá fosse real o que ele narrou, almejavam.
As
folhas das árvores do bosque mexiam-se suavemente com o sopro do vento fraco, não
estava nem frio nem calor. Receio que não encontremos a senda de regresso,
expressou-se o Rui. E se retornássemos já para casa, o André ripostou para
esquivarem esse risco. O João, que era muito audacioso e estava a fitar um morcego
grisalho que tinha eclodido à frente deles e que pairava incessantemente no ar,
sugeriu: cacemos o morcego para amedrontarmos as raparigas da aula das primas, essas
parvas que têm macaquinhos no sotão! Essa é boa! Não é?
Distraíram-se
apanhando galhos para o perseguir. A correr e a saltar é que perderam a nocão
do tempo. No nosso entender, recomendaram o Rui e o André, devemos regressar já,
agora mesmo! Mas o João não lhes deu ouvidos e os três prosseguiram.
Era
já tarde demais, tinham-se perdido algures dentro do imenso bosque e foram
apanhados de surpresa pela lua cheia, que se começava a assomar entre as copas
das árvores. Seguidamente, ouviu-se o uivo dos lobos: auuuuuuu……….auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
de tal forma que eles ficaram em silêncio, mesmo sem respirar.
Notaram
que o morcego tinha sumido e viram um corujão acima de um ramo. Mãe, mãe, disse
o André sobressaltado, eu quero ir ter com a minha mãe! Cocó, Ranheta e Facada
estavam a tremer como as varas verdes. Daí que uma sensação de arrepio lhes
percorresse o corpo.
Após
a seguinte árvore, deram uma olhadela e viram à sua frente uma casa, circundada
por uma grade, que tinha luz acesa no alpendre. Naturalmente, todos pensaram
refugiar-se nela dos perigos do bosque.
Quem
quiser vir comigo, disse o João, tem de correr depressa até chegarmos à grade,
neste momento, mesmo agora; nós vamos onde tu fores, replicaram os outros. A
porta da grade estava fechada a sete chaves, mas encontraram uma frincha, de
modo que se enfiaram para chisparem até à porta da casa.
No
momento de fazer sinal para a bater, abriu-se, mas não estava lá ninguém.
Bbbbbbrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr, rangeu a porta e entraram muito, muito devagar.
Olá!
Está alguém cá em casa? O silêncio cingia tudo. Silêncio que foi quebrado pelo
voo e o som do morcego a cirandar: iiiiiiiiiiiii……iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Desapareceu subitamente.
Constataram
que pela porta de um quarto do segundo andar saía fumo, aos montes, e um cheiro
a charuto muito desagradável; além disso, escutaram acolá: miau, miau, miau! miau,
miau, miau!
Olá!
Está alguém no quarto? Ninguém respondeu. Em seguida, ouviram o choro de uma
criança a pedir auxílio.
Por
isto é que subiram as escadas, mas subiram muito devagar. E de rompante,
apareceu o gato sujo e desleixado da
bruxa, com os seus bigodes enrugados, a galgar sobre eles e esgatanhar os
meninos: miau, miau, miau!
Mãeeeeee,
mãeeeeeee! - disseram o André e o Rui aos berros. Houve uma perseguição. O gato
fez arrahões nas bochechas do André e queimaduras com o charuto nas mãos do
Rui.
Os
dois foram capturados e engaiolados, enquanto que o João se pôs na alheta. Dado
que o gato só sabia contar até dois, não se apercebeu de que o rapaz, esperto
como uma raposa, tinha bazado.
Por
um lado, o gato malcheiroso estava agora sentado no seu cadeirão esfarrapado a
embriagar-se com vinho de meia-tigela e a fumar e fumar charutos. Ria-se às
gargalhadas e, por vezes, deitava fumo sobre os meninos. Eles, matreiros, choravam
lágrimas de crocodilo, ficando à espreita de que o gato descontraísse para larapiarem
as chaves da gaiola.
O
gato apanhou uma perua tão colossal que deu-lhe um chilique e explodiu como se espetássemos
um alfinete num balão. Antes, os garotos tinham agido e atingido as chaves.
O
morcego grisalho entrou pela janela e, a seguir, transformou-se…………na bruxa: he,
he, he, he, he!......heeee, he, he, he, he! vou engolir cachopos para o pequeno-almoço,
he, he, he, he, he! Era feia como um bode e tinha uma verruga no queixo. O André
e o Rui, ainda que espavoridos, cuspiram nos olhos vermelhos da bruxa, que ficou
completamente passadunte e se desvaneceu no ar.
Rapidamente
tentaram abrir a gaiola, mas a porta estava perra. Surgiu outra vez o pranto da
criança, que provinha do quarto contíguo. O Rui apanhou um pelo rijo do bigode
enrugado do gato desditado, que tinha caído na gaiola após a explosão, para espadeirar
a fechadura como se fosse uma gazua e, contanto saíram e deram uma espiadela no
outro quarto, repararam em que a criança que soluçava era………o príncipe.
Arrombaram
a fechadura e resgataram-no da prisão. Príncipe Basílio, somos o André e o Rui,
identificaram-se; venha connosco. Porventura, o nosso irmão João já terá
arranjado ajuda para nos libertar, conjeturara o Rui. Se me livrarem da bruxa,
o meu pai dar-lhes-á uma recompensa generosa, prometeu-lhes o príncipe Basílio.
Nesse
momento, apareceu a bruxa num estrondo terrível e fez com que os catraios caíssem
nos braços de morfeu. A muito malvada e perversa encerrou os três num quarto
com paredes de chumbo.
Por
outro lado, o João, a pensar na morte da becerra, viu-se grego para libertar os
irmãos. Quase deita o coração pela boca porquanto o corujão que viram antes
tinha dado um repentino pulo desde uma das árvores para se situar face a face com
o amedrontado rapaz.
Sossega-te
menino, eu sou amigo, acalmou-o o corujão. O João ficou parvo. Sou o corujão Trombone.
Se mo permitires, eu posso ajudar. A não ser que queiras deixar que os teus
irmãos experimentem a crueldade e ruindade da bruxa, temos de ir à procura do
mago Uini, que vive além das Montanhas do Pêssego Podre. Nós dir-lhe-emos o que
se passou. Mordes o esquema? E, quase sem tempo para fazer perguntas, num
instante, o corujão, deitando o novo amigo nas suas costas, empreendeu o
percurso até às montanhas a voar, num triz, e pousar o João num sopé.
Mago
Uiiiiiiniiiiiiiiiiiiiii!-vociferou o Trombone.
Mago
Uini, mago Uini, mago Uini! -ecoaram as montanhas.
Mago
Uiiiiiiiniiiiiiiiiiii! -vozeou o João.
As
montanhas ecoaram.
Maaaaaaaaagooooooooooo
Uiiiiiiniiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!-bradaram os dois em uníssono.
O tapete
mágico do mago Uini passou planando, muito depressa, rente às suas cabeças.
Pássaro
e menino embarcaram nele e informaram o Mago do acontecido.
O
mago Uini era velho como Matusalém, tinha desenhada uma meia lua no seu chapéu
triangular e segurava na mão uma varinha de condão. Tinha um bigode e uma barba
branca como a cal e muito comprida, maior que a légua da póvoa, e falava pelos
cotovelos.
O
mago Uini narrou que o seu tapete fazia coisas das Arábias: mudava de cor como
se fosse um camaleão para passar despercebido e podia-se transformar em
qualquer coisa. Também disse que o tapete só obedecia os mandatos das pessoas
amigas.
O
corujão esclareceu que conhecia muito bem as façanhas do tapete mágico e do seu
dono, e que ele próprio tinha sido resgatado, numa ocasião, de ser devorado
pelo crocodilo que, dantes, tinha a bruxa e que foi vencido pelo mago Uini.
O
tapete voava e pairava no vento, dando reviravoltas no ar. Chegando à casa da
bruxa, aterrou no alpendre e os tripulantes desceram. A bruxa apresentou-se a
voar na sua vassoura e a rir às gargalhadas. Os nossos amigos foram apanhados
de surpresa pela muito desalmada.
O
amigável Trombone foi atropelado, e o Jõao requereu ao tapete para que se convertesse
numa fisga. O tapete acatou, e o rapazinho, tendo pegado numa pedra, armou-se
com a fisga e lançou uma pedrada que atingiu e rebentou a verruga do queixo da
bruxa. A malvada estampou-se dando uma trombada contra o tronco de um carvalho.
Então,
o mago Uini com a sua varinha de condão, tendo pronunciado as palavras mágicas
“abracadabra pé de cabra……” transformou a bruxa numa beterraba, que foi
engolida, dias depois, por um porco-bravo.
Ainda
bem que o corujão só teve uma entorse na sua asa esquerda. Encontraram os irmãos
e o príncipe atordoados, mas inteiros. Deram o mago Uini e o tapete mágico uma
manifestação de gratidão.
O
rei Umerodom abriu a burra e a sua recompensa foi muito generosa. E os miúdos,
a mãe Rita e o Iago foram residir para palácio, do mesmo modo que o corujão Trombone.
E viveram felizes!
- F I M -
EXPRESSÕES:
FAZER
O DIABO A QUATRO: “fazer grandes tropelias”.
OS
TRÊS DA VIDA AIRADA: COCÓ, RANHETA E FACADA: designa três individuos que estão
sempre juntos a fazer tropelias e disparates.
APRENDIZ
DE FEITICEIRO: se aplica a quem executa trabalhos para os quais não está
qualificado.
DAR
ÀS DE VILA-DIOGO: significa simplesmente “fugir”.
DE
FACA NA LIGA: designa alguém sempre pronto a armar uma briga.
DAR
DE FROSQUES: pirar-se.
ESTICAR
O PERNIL: morrer.
TRABALHAR
COMO UM GALEGO: remete para a realização de trabalhos pesados. O termo “galego”
é sinónimo de alguém que trabalha intensamente.
BRIGADA
DO REUMÁTICO: designação jocosa de um grupo de pessoas idosas.
DAR
COM OS BURROS NA ÁGUA: significa “falhar” ou “fracassar”.
ANDAR
COM O REI NA BARRIGA: significa “fazer-se importante, agir com soberba”.
METER
O ROSSIO NA RUA DE BETESGA: é sinónimo de “tentar fazer algo de muito complexo
com escassos meios ou, mais genéricamente, diz-se quando se pretende meter muita
gente em escasso espaço”.
DINHEIRO
PARA OS ALFINETES: designa o dinheiro que é ganho por alguém para as pequenas
despesas.
GOVERNAR
À CABRALINA: aplica-se a algo que é feito à força ou de forma autoritária.
MÃ
COMO AS COBRAS: muito mã.
ESTAR
A FERROS: significa “estar preso ou detido”.
HISTÓRIAS
DO ARCO DA VELHA: histórias incríveis.
DO
PIORIO: o pior do pior.
TER
MACAQUINHOS NO SOTÃO: ter pássaros na cabeça.
FECHAR
A SETE CHAVES: sinónimo de algo que deve ser bem guardado.
PÔR-SE
NA ALHETA: significa “fugir”.
BAZAR:
pirar-se, fugir.
SER
DE MEIA-TIGELA: o significado remete para algo de inferior qualidade.
ESPADEIRAR:
abrir por meio de gazua ou chave falsa.
LÁGRIMAS
DE CROCODILO: designa alguém que chora de forma fingida, aparentando falso
sofrimento.
FICAR
PASSADUNTE: ficar zanga-do/a, irritar-se.
NOS
BRAÇOS DE MORFEU: diz-se de alguém que está a dormir.
PENSAR
NA MORTE DA BECERRA: Esta frase designa alguém que está particularmente
meditabundo.
VER-SE
GREGO: significa “ter muita dificuldade em fazer algo”.
COISA
DAS ARÁBIAS: é sinónimo de algo estranho ou bizarro.
SER
MAIOR QUE A LÉGUA DA PÓVOA: se refere a algo de grande extensão.
ABRIR
A BURRA: significa “pagar” ou mais genericamente “gastar dinheiro”.
8 comentários:
Olá, novamente!
Como é possível, se na passada sexta estive a responder a todos os comentários do blogge, incluindo este...não se thenha publicado?. Parece-me coisa de fantasmas.
Bom, pois naquela resposta, Diego, eu dizia-te o feliz que tinha sido ao ler o teu conto e dava-te os parabéns por tanta imaginação.
Reitero, pois, a minha gratidão pelo teu bom trabalho e porque o considero um presente que tu nos ofereces ao grupo. Parabéns! :)
Muito obrigado, Lupe!!
Eu li os teus comentários, o que acontece é que tive de corrigir alguns erros que, ainda, tinha o conto.
Fico muito contente pelas coisas que exprimes. Obrigado !!
Ahhhh, foi isso!
Meu Deus, e eu que tinha pensado em fantasmas...:); se calhar, só eram morcegos que brincaram com as minhas palavras enquanto fumavan charutos
Obrigada eu, consigo.
Foi coisa de bruxas. Não foi ??
Simplesmente de se lhe tirar o chapéu. Genica¡¡¡
Excelente trabalho, Diego, não me canso de o dizer.
E obrigada aos seus dois colegas pelas bonitas palavras.
Obrigado! São muito, muito amáveis!
Diego, obrigadíssima pela tua dedicatória. Já te disse que gostei imenso do teu conto e acho que deverias dedicar-te a sério a escrever porque o faz realmente bem. Os meus parabéns!
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