Para falar da peça de teatro "Felizmente há luar!", falámos e ouvimos falar o seu autor Luis de Sttau Monteiro. Este vídeo pela qualidade que vem de ser antigo foi particularmente difícil, sigam a ligação para o poderem voltar a ver:
Eu sei que estes dois nomes acima são, provavelmente, os nomes de dois desconhecidos para vocês, mas uma vez mais tenho de lamentar aqui a morte - e aproveitar para vos dar a conhecer a atriz - de uma das maiores do mundo da interpretação. E não, não vou dizer uma das grandes atrizes brasileiras, não o vou dizer porque isso seria reduzir o talento da Marília a um país ou a um continente, e o talento da Marília não tinha fronteiras.
Quando li a notícia da partida dela senti um vazio, talvez porque sempre tive a esperança de a poder ver de novo em palco e sentir tudo o que ela nos fazia sentir quando interpretava. Deixo-vos o texto que o ex-marido (o também enorme Nelson Motta) escreveu para ela agora que ela partiu. Contudo, antes uma boa entrevista, onde a possam ver como ela era: só talento e maravilha. (Podem encontrar no youtube um monte de excertos de interpretações dela, desfrutem!)
“Viva Marilia !
A primeira vez que vi Marilia, naturalmente, foi no teatro. Ela era loura, tinha 26 anos e interpretava uma vedete bagaceira e mulher de um gangster de araque numa paródia de teatro de revista hilariante chamada A Vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato, escrita por Bráulio Pedroso e com músicas de Roberto e Erasmo Carlos, que lotou o Teatro Ipanema durante meses e foi um dos maiores sucessos de 1970. Além de rir muito, fiquei encantado com aquela magrela que se fazia de gostosa, tão divertida e desbocada, que cantava, dançava e representava com tanta alegria e sex-appeal. A primeira vez com Marilia não se esquece.
Um ano e meio depois estávamos casados. Alternando temporadas no paraíso e no inferno durante oito anos movidos a fortes sentimentos, tivemos duas filhas e testemunhei a trajetória e o crescimento de uma das maiores atrizes da nossa história, que levou emoção, alegria e consolo a milhões de pessoas que choravam e gargalhavam com seus personagens, se comoviam com seus tipos sofridos, se aterrorizavam com as suas vilãs e malvadas. Marilia vai fazer muita falta porque era muitas, cada uma melhor que a outra. E convivi com várias delas. No teatro, seu território sagrado e seu campo de batalha, no cinema, na televisão e na vida real, que era o seu personagem mais complexo e imprevisivel.
O papel de mãe tambem era muito dificil para a diva. Ela amava as meninas e se esforçava, entre seus muitos trabalhos, em preparar para a vida do jeito que podia e sabia. Disciplinada e disciplinadora, Marilia reclamava que eu era muito liberal e permissivo com elas e, de gozação, dizia em público que eu era uma verdadeira mãe para as meninas. E todos os Dia das Mães me ligava para desejar em tom de ironia “felicidades no seu dia” e soltar uma gargalhada.
Para mim, o seu melhor papel foi Maria Callas em “Master Class”, uma diva amadurecida e amargurada ensinando a alunos da Julliard School of Music sobre a vida, a arte e o amor, com tanta técnica e emoção que teria feito chorar a própria Maria Callas.
Entre as malvadas, amei – e tive muito medo – da megera Perpétua de “Tieta” e da maligna e medonha Juliana do “Primo Basilio”. Pensar que uma mulher daquelas dorme ao seu lado é de tirar o sono.
Marília gostava de cantar, de dançar, de marido, de filhos, de amigos, de sexo, de dinheiro, de luxo, de rir, de silêncio, mas amava mesmo, acima de todas as coisas, o teatro, que foi sempre a sua prioridade de vida. Talvez por isso foi tão alto e tão fundo e irá tão longe.
Com 39 anos, por sua arrebatadora interpretação de uma prostituta envolvida com menos de rua em “Pixote” recebeu o premio de “melhor atriz do ano” pela Associação Nacional de Criticos dos Estados Unidos em 1981, e tambem da associação de criticos de Nova York e de Los Angeles, que consagraram uma atriz sul americana desconhecida concorrendo com as grandes estrelas americanas e que nem sequer era bonita para os padrões locais. Puro talento.
Marilia era tão atrevida que representou Coco Chanel em português para franceses em Paris, com legendas, e fez várias apresentações lotadas com críticas que a consagravam como uma das grandes atrizes de nosso tempo.
Nos encontramos e desencontramos muito pela vida, nos ultimos anos éramos muito amigos, vivemos juntos muitas alegrias e dores. Há dois meses, Marilia me pediu uma música para o disco que estava gravando na Biscoito Fino. Me lembrei de uma linda valsa do maestro Lyrio Panicalli, dos anos 60, que Leila Pinheiro havia me mostrado há muito tempo. E fiz a letra.
O título original da versão instrumental de Lyrio era “A última valsa”, mas, sabendo que Marilia estava doente, achei melhor trocar para “Sonho de valsa” – e ela pensou que a música sempre se chamou assim e adorou. Pena que não teve tempo de gravar. Fica como um gesto de amor, respeito e admiração. E saudade.
Aqui têm as duas versões de Tanto Mar, a canção que o cantautor brasileiro fez para a revolução portuguesa -a primeira de esperança e a segunda de desalento - há também uma pequena entrevista do Chico.
Gostei muito da entrevista que encontrou, gosto principalmente do início e de todas as comparações (com condicional) com que o texto é introduzido. O Rui Reininho é, para mim e usando uma expressão que ouvi há uns anos, "o melhor poeta português ao vivo".