domingo, 12 de outubro de 2014

Autor do mês - António Gedeão

Com o artigo P.F. (e a segunda parte do mesmo artigo) inauguramos uma secção nova no nosso blogue, que é a secção "Autor do mês". Todos os meses vamos propor aqui (posso ser eu e podem ser vocês) um autor para lermos e debatermos. Falaremos da biografia do autor e daremos alguma visibilidade à sua obra. 
Este mês de outubro, que é o meu favorito, decido eu (se mo permitem) e o autor escolhido vai ser: António Gedeão.

António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho (Lisboa, 24 de novembro de 1906 - Lisboa,  19 de fevereiro de 1997), foi um químico, professor de físico-química do ensino secundário (no Liceu Pedro Nunes e no Liceu Camões), pedagogo, investigador de História da ciência em Portugal, divulgador da ciência e poeta. A data do seu nascimento foi adotada em Portugal como Dia Nacional da Cultura Científica, em 1996.
Podemos encontrar por toda a internet diversas das sua composições poéticas, deixo-vos com a minha favorita: 



Aurora Boreal


Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.


António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001

8 comentários:

Unknown disse...

Encarna S.N. 2º NA

Todos dizem "Em Gedeão tudo parece simples sem o ser" e estou certa de que cada palavra foi escolhida com o objectivo de transmitir aos outros, uma imagem, um sentimento, no entanto, como bom físico e como o faria o professor numa aula de Física perante jovens ouvintes, aproveita para desvendar qualquer lei da natureza

Ana B.Molero. 2ºNA disse...

Bom dia a todos! É uma obra fantástica, gostei muito da Aurora Boreal. Não conhecia este autor, obrigada :)

Susana disse...

Ana, é isso que eu quero, que possam conhecer e dar a conhecer autores que para nós são eternos e que aqui não têm muita visibilidade.

Encarna, que frase tão bonita e tão correta, não é? Parece tudo tão simples, uma série de sensações, sentimentos que não sei bem se podem ou não entrar por uma janela real mas por uma janela da alma, seguramente. Mas tem razão, aquilo que me fascina na poesia é que nenhuma palavra é posta ao acaso, tudo tem uma razão de ser, tudo procura um sentido. Parece-me fascinante.
Lembro-me do dia em que o meu pai me ofereceu um suplemento de um jornal que trazia 4 poemas do António Gedeão e que foi o dia em que me apaixonei por este. De início quis contar tudo o que entrava para me assegurar de que havia mesmo 40 janelas e com os anos entendi o que significava a palavra metáfora. Fascina-me a maneira como a certeza entra pela janela mais pequena, como a esperança é a razão cheia de vértices e realidade e depois como a poesia se descreve como uma fome sem fim.
Enfim, Portugal é um país de poetas e é tão impossível fugir à poesia como ao Fado.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Sou o Benigno outra vez,para dizer que a sessao do autor do mes parece-me uma ideia o'tima ; mas acho que ainda nao temos nivel para ler poesía,comprende-la e desfrutar-la. Como exemplo está bem mas e' forte ler poesía nesta altura.E' a minha opiniao.

Susana disse...

Parece-me que a sua opinião está muito bem, Benigno, mas tem de pensar que:
1) Eu não tenho alunos só de nível básico 2;
2) Que conhecer novos autores lusos é sempre uma experiência positiva;
3) Que se prefere que o autor do próximo mês seja um autor de prosa, só tem de o propor, estou aberta a sugestões.

Unknown disse...


FEB
24
Lírio Roxo - António Gedeão

Viajei por toda a Terra
desde o norte até ao sul;
em toda a parte do mundo
vi mar verde e céu azul.

Em toda a parte vi flores
romperem do pó do chão,
universais, como as dores
do mundo, que em toda a parte se dão.

Vi sempre estrelas serenas
e as ondas morrendo em espuma.
Todo o Sol um Sol apenas,
E a Lua sempre só uma.

Diferente de quando existe
Só a dor que me reparte.
Enquanto em mim morro triste,
Nasço alegre em toda a parte.

António Gedeão
Publicado 24th Fe


Compreender a poesia é mesmo difícil em qualquer idioma, não entanto com este autor acontece-me algo diferente.
Peço licencia para partilhar convoscos esta também.