domingo, 15 de janeiro de 2017

CONTOS DE MEIA-TIGELA, para crianças. Autor: Diego. Edição corrigida 4.

Para Nani, pela sua simpatia e amabilidade.
CONTOS DE MEIA-TIGELA, PARA CRIANÇAS:  “OS TRÊS IRMÃOS”.
Era uma vez, há bué de tempo, numa cidade qualquer que ficava no cu de Judas, três irmãos: o João, o André e o Rui, que andavam sempre a fazer o diabo a quatro. Era por isso que os cidadãos de bem os apelidaram de “os três da vida airada: Cocó, Ranheta e Facada”.
Moravam numa casa sem varanda, que só tinha uma assoalhada, situada numa viela perto da ponte da “Galinha Depenada”.
O aprendiz de feiticeiro que era o pai, que tinha dado às de vila-diogo por causa, segundo diziam as más-línguas, de uma camponesa da vila mais próxima, um dia regressou à sua casa. E, consequentemente, a sua parceira, a Rita, que era uma mulher de faca na liga, proferiu-lhe: “a Cascais uma vez e nunca mais”. Então, ele deu de frosques e, pouco tempo depois, esticou o pernil.
A mãe Rita dos três espirra-canivetes, que além do su feitio tinha um coração honesto, juntou os trapinhos, desta vez, com um homem bom e laborioso, o Iago, que trabalhava como um galego.
A família não só partilhava a casa com o avós e a tia-avó, que pertenciam  à brigada do reumático, mas também com os tios e as primas. Sempre que o seu tio tinha uma nova ideia para arranjar emprego dava com os burros na água, e a sua tia andava o dia todo com o rei na barriga. Ainda por cima, as suas primas também não eram flores que se cheirassem.
Por outras palabras, era, verdade seja dita, como meter o Rossio na rua de Betesga.
Apesar de alguns ladrilhos incrustados no exterior da casa, mesmo ao lado da porta, exprimirem a frase: “É amigo? Entre amigo; o pão que temos aqui, neste pequenino abrigo, também chega para ti”, era evidente que, contudo, só tinham dinheiro para os alfinetes. Ainda bem que estava o Iago para o obter, e a Rita, que ganhava uns cascalhinhos a tratar idosos e governava a casa à cabralina. Se bem que não passassem necessidades, mais coisa, menos coisa que tomavam couves para o pequeno-almoço, almoçavam couves e couves jantavam.
Um dia, de manhã, o João, o André e o Rui, com o intuito de usufruir de uma andança, tinham pedido autorização à mãe para ir brincar no bosque que ficava perto da cidade. E, tendo visto que eles asseveraram que não se perderiam, ela assentiu: por volta da meio dia e meia retornem para casa, decretou.
O Iago tinha-lhes segredado que nesse bosque morava uma bruxa do piorio, má como as cobras, com o seu gato que fumava charutos e fazia arranhões nas bochechas, e que tinham uma gaiola para miúdos onde estava a ferros o filho do rei Umerodom. Significava isto que o Iago sempre lhes relatava histórias do arco da velha, enquanto eles ficavam de olhos arregalados e de boca escancarada. Adoravam-no porquanto era um bom pai.
Assim que nos embrenharmos no bosque, procuramos a casa da bruxa, esteja onde estiver, e ficamos à espreita, concordaram os três da vida airada. Com isto não pretendiam ser heróis, mas, com toda a certeza, o seu padrasto tinha-lhes incentivado a curiosidade. Oxalá fosse real o que ele narrou, almejavam.
As folhas das árvores do bosque mexiam-se suavemente com o sopro do vento fraco, não estava nem frio nem calor. Receio que não encontremos a senda de regresso, expressou-se o Rui. E se retornássemos já para casa, o André ripostou para esquivarem esse risco. O João, que era muito audacioso e estava a fitar um morcego grisalho que tinha eclodido à frente deles e que pairava incessantemente no ar, sugeriu: cacemos o morcego para amedrontarmos as raparigas da aula das primas, essas parvas que têm macaquinhos no sotão! Essa é boa! Não é?
Distraíram-se apanhando galhos para o perseguir. A correr e a saltar é que perderam a nocão do tempo. No nosso entender, recomendaram o Rui e o André, devemos regressar já, agora mesmo! Mas o João não lhes deu ouvidos e os três prosseguiram.
Era já tarde demais, tinham-se perdido algures dentro do imenso bosque e foram apanhados de surpresa pela lua cheia, que se começava a assomar entre as copas das árvores. Seguidamente, ouviu-se o uivo dos lobos: auuuuuuu……….auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! de tal forma que eles ficaram em silêncio, mesmo sem respirar.
Notaram que o morcego tinha sumido e viram um corujão acima de um ramo. Mãe, mãe, disse o André sobressaltado, eu quero ir ter com a minha mãe! Cocó, Ranheta e Facada estavam a tremer como as varas verdes. Daí que uma sensação de arrepio lhes percorresse o corpo.
Após a seguinte árvore, deram uma olhadela e viram à sua frente uma casa, circundada por uma grade, que tinha luz acesa no alpendre. Naturalmente, todos pensaram refugiar-se nela dos perigos do bosque.
Quem quiser vir comigo, disse o João, tem de correr depressa até chegarmos à grade, neste momento, mesmo agora; nós vamos onde tu fores, replicaram os outros. A porta da grade estava fechada a sete chaves, mas encontraram uma frincha, de modo que se enfiaram para chisparem até à porta da casa.
No momento de fazer sinal para a bater, abriu-se, mas não estava lá ninguém. Bbbbbbrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr, rangeu a porta e entraram muito, muito devagar.
Olá! Está alguém cá em casa? O silêncio cingia tudo. Silêncio que foi quebrado pelo voo e o som do morcego a cirandar: iiiiiiiiiiiii……iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Desapareceu subitamente.
Constataram que pela porta de um quarto do segundo andar saía fumo, aos montes, e um cheiro a charuto muito desagradável; além disso, escutaram acolá: miau, miau, miau! miau, miau, miau!
Olá! Está alguém no quarto? Ninguém respondeu. Em seguida, ouviram o choro de uma criança a pedir auxílio.
Por isto é que subiram as escadas, mas subiram muito devagar. E de rompante, apareceu  o gato sujo e desleixado da bruxa, com os seus bigodes enrugados, a galgar sobre eles e esgatanhar os meninos: miau, miau, miau!
Mãeeeeee, mãeeeeeee! - disseram o André e o Rui aos berros. Houve uma perseguição. O gato fez arrahões nas bochechas do André e queimaduras com o charuto nas mãos do Rui.
Os dois foram capturados e engaiolados, enquanto que o João se pôs na alheta. Dado que o gato só sabia contar até dois, não se apercebeu de que o rapaz, esperto como uma raposa, tinha bazado.
Por um lado, o gato malcheiroso estava agora sentado no seu cadeirão esfarrapado a embriagar-se com vinho de meia-tigela e a fumar e fumar charutos. Ria-se às gargalhadas e, por vezes, deitava fumo sobre os meninos. Eles, matreiros, choravam lágrimas de crocodilo, ficando à espreita de que o gato descontraísse para larapiarem as chaves da gaiola.
O gato apanhou uma perua tão colossal que deu-lhe um chilique e explodiu como se espetássemos um alfinete num balão. Antes, os garotos tinham agido e atingido as chaves.
O morcego grisalho entrou pela janela e, a seguir, transformou-se…………na bruxa: he, he, he, he, he!......heeee, he, he, he, he! vou engolir cachopos para o pequeno-almoço, he, he, he, he, he! Era feia como um bode e tinha uma verruga no queixo. O André e o Rui, ainda que espavoridos, cuspiram nos olhos vermelhos da bruxa, que ficou completamente passadunte e se desvaneceu no ar.
Rapidamente tentaram abrir a gaiola, mas a porta estava perra. Surgiu outra vez o pranto da criança, que provinha do quarto contíguo. O Rui apanhou um pelo rijo do bigode enrugado do gato desditado, que tinha caído na gaiola após a explosão, para espadeirar a fechadura como se fosse uma gazua e, contanto saíram e deram uma espiadela no outro quarto, repararam em que a criança que soluçava era………o príncipe.
Arrombaram a fechadura e resgataram-no da prisão. Príncipe Basílio, somos o André e o Rui, identificaram-se; venha connosco. Porventura, o nosso irmão João já terá arranjado ajuda para nos libertar, conjeturara o Rui. Se me livrarem da bruxa, o meu pai dar-lhes-á uma recompensa generosa, prometeu-lhes  o príncipe Basílio.
Nesse momento, apareceu a bruxa num estrondo terrível e fez com que os catraios caíssem nos braços de morfeu. A muito malvada e perversa encerrou os três num quarto com paredes de chumbo.
Por outro lado, o João, a pensar na morte da becerra, viu-se grego para libertar os irmãos. Quase deita o coração pela boca porquanto o corujão que viram antes tinha dado um repentino pulo desde uma das árvores para se situar face a face com o amedrontado rapaz.
Sossega-te menino, eu sou amigo, acalmou-o o corujão. O João ficou parvo. Sou o corujão Trombone. Se mo permitires, eu posso ajudar. A não ser que queiras deixar que os teus irmãos experimentem a crueldade e ruindade da bruxa, temos de ir à procura do mago Uini, que vive além das Montanhas do Pêssego Podre. Nós dir-lhe-emos o que se passou. Mordes o esquema? E, quase sem tempo para fazer perguntas, num instante, o corujão, deitando o novo amigo nas suas costas, empreendeu o percurso até às montanhas a voar, num triz, e pousar o João num sopé.
Mago Uiiiiiiniiiiiiiiiiiiiii!-vociferou o Trombone.
Mago Uini, mago Uini, mago Uini! -ecoaram as montanhas.
Mago Uiiiiiiiniiiiiiiiiiii! -vozeou o João.
As montanhas ecoaram.
Maaaaaaaaagooooooooooo Uiiiiiiniiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!-bradaram os dois em uníssono.
O tapete mágico do mago Uini passou planando, muito depressa, rente às suas cabeças.
Pássaro e menino embarcaram nele e informaram o Mago do acontecido.
O mago Uini era velho como Matusalém, tinha desenhada uma meia lua no seu chapéu triangular e segurava na mão uma varinha de condão. Tinha um bigode e uma barba branca como a cal e muito comprida, maior que a légua da póvoa, e falava pelos cotovelos.
O mago Uini narrou que o seu tapete fazia coisas das Arábias: mudava de cor como se fosse um camaleão para passar despercebido e podia-se transformar em qualquer coisa. Também disse que o tapete só obedecia os mandatos das pessoas amigas.
O corujão esclareceu que conhecia muito bem as façanhas do tapete mágico e do seu dono, e que ele próprio tinha sido resgatado, numa ocasião, de ser devorado pelo crocodilo que, dantes, tinha a bruxa e que foi vencido pelo mago Uini.
O tapete voava e pairava no vento, dando reviravoltas no ar. Chegando à casa da bruxa, aterrou no alpendre e os tripulantes desceram. A bruxa apresentou-se a voar na sua vassoura e a rir às gargalhadas. Os nossos amigos foram apanhados de surpresa pela muito desalmada.
O amigável Trombone foi atropelado, e o Jõao requereu ao tapete para que se convertesse numa fisga. O tapete acatou, e o rapazinho, tendo pegado numa pedra, armou-se com a fisga e lançou uma pedrada que atingiu e rebentou a verruga do queixo da bruxa. A malvada estampou-se dando uma trombada contra o tronco de um carvalho.
Então, o mago Uini com a sua varinha de condão, tendo pronunciado as palavras mágicas “abracadabra pé de cabra……” transformou a bruxa numa beterraba, que foi engolida, dias depois, por um porco-bravo.
Ainda bem que o corujão só teve uma entorse na sua asa esquerda. Encontraram os irmãos e o príncipe atordoados, mas inteiros. Deram o mago Uini e o tapete mágico uma manifestação de gratidão.
O rei Umerodom abriu a burra e a sua recompensa foi muito generosa. E os miúdos, a mãe Rita e o Iago foram residir para palácio, do mesmo modo que o corujão Trombone. E viveram felizes!
-      F I M    -


EXPRESSÕES:
FAZER O DIABO A QUATRO: “fazer grandes tropelias”.
OS TRÊS DA VIDA AIRADA: COCÓ, RANHETA E FACADA: designa três individuos que estão sempre juntos a fazer tropelias e disparates.
APRENDIZ DE FEITICEIRO: se aplica a quem executa trabalhos para os quais não está qualificado.
DAR ÀS DE VILA-DIOGO: significa simplesmente “fugir”.
DE FACA NA LIGA: designa alguém sempre pronto a armar uma briga.
DAR DE FROSQUES: pirar-se.
ESTICAR O PERNIL: morrer.
TRABALHAR COMO UM GALEGO: remete para a realização de trabalhos pesados. O termo “galego” é sinónimo de alguém que trabalha intensamente.
BRIGADA DO REUMÁTICO: designação jocosa de um grupo de pessoas idosas.
DAR COM OS BURROS NA ÁGUA: significa “falhar” ou “fracassar”.
ANDAR COM O REI NA BARRIGA: significa “fazer-se importante, agir com soberba”.
METER O ROSSIO NA RUA DE BETESGA: é sinónimo de “tentar fazer algo de muito complexo com escassos meios ou, mais genéricamente, diz-se quando se pretende meter muita gente em escasso espaço”.
DINHEIRO PARA OS ALFINETES: designa o dinheiro que é ganho por alguém para as pequenas despesas.
GOVERNAR À CABRALINA: aplica-se a algo que é feito à força ou de forma autoritária.
MÃ COMO AS COBRAS: muito mã.
ESTAR A FERROS: significa “estar preso ou detido”.
HISTÓRIAS DO ARCO DA VELHA: histórias incríveis.
DO PIORIO: o pior do pior.
TER MACAQUINHOS NO SOTÃO: ter pássaros na cabeça.
FECHAR A SETE CHAVES: sinónimo de algo que deve ser bem guardado.
PÔR-SE NA ALHETA: significa “fugir”.
BAZAR: pirar-se, fugir.
SER DE MEIA-TIGELA: o significado remete para algo de inferior qualidade.
ESPADEIRAR: abrir por meio de gazua ou chave falsa.
LÁGRIMAS DE CROCODILO: designa alguém que chora de forma fingida, aparentando falso sofrimento.
FICAR PASSADUNTE: ficar zanga-do/a, irritar-se.
NOS BRAÇOS DE MORFEU: diz-se de alguém que está a dormir.
PENSAR NA MORTE DA BECERRA: Esta frase designa alguém que está particularmente meditabundo.
VER-SE GREGO: significa “ter muita dificuldade em fazer algo”.
COISA DAS ARÁBIAS: é sinónimo de algo estranho ou bizarro.
SER MAIOR QUE A LÉGUA DA PÓVOA: se refere a algo de grande extensão.

ABRIR A BURRA: significa “pagar” ou mais genericamente “gastar dinheiro”.

8 comentários:

Unknown disse...

Olá, novamente!

Como é possível, se na passada sexta estive a responder a todos os comentários do blogge, incluindo este...não se thenha publicado?. Parece-me coisa de fantasmas.

Bom, pois naquela resposta, Diego, eu dizia-te o feliz que tinha sido ao ler o teu conto e dava-te os parabéns por tanta imaginação.

Reitero, pois, a minha gratidão pelo teu bom trabalho e porque o considero um presente que tu nos ofereces ao grupo. Parabéns! :)

Diego disse...

Muito obrigado, Lupe!!
Eu li os teus comentários, o que acontece é que tive de corrigir alguns erros que, ainda, tinha o conto.
Fico muito contente pelas coisas que exprimes. Obrigado !!

Unknown disse...

Ahhhh, foi isso!

Meu Deus, e eu que tinha pensado em fantasmas...:); se calhar, só eram morcegos que brincaram com as minhas palavras enquanto fumavan charutos

Obrigada eu, consigo.

Diego disse...

Foi coisa de bruxas. Não foi ??

Anónimo disse...

Simplesmente de se lhe tirar o chapéu. Genica¡¡¡

Susana Abrantes Pereira disse...

Excelente trabalho, Diego, não me canso de o dizer.

E obrigada aos seus dois colegas pelas bonitas palavras.

Diego disse...

Obrigado! São muito, muito amáveis!

Nani disse...

Diego, obrigadíssima pela tua dedicatória. Já te disse que gostei imenso do teu conto e acho que deverias dedicar-te a sério a escrever porque o faz realmente bem. Os meus parabéns!